Carta aberta aos meus alunos: Gonçalo,Ana Isabel, Diogo, Ana Carolina, Francisco, Maria João, Matilde, Mariana, Rui Duarte, Leonor, Marisa, Maria Inês, Beatriz, Íris, Fábio e Meira Fernandes.
Meus queridos,
como não tive oportunidade de me despedir de vocês, pois só muito recentemente soube que não iria mais ser vossa professora, resolvi escrever-vos. Pois não consigo partir sem vos deixar uma palavra de afecto.
Para mim foi um privilégio ter-vos conhecido e privado de uma forma tão intensa e humana ao longo destes últimos dois anos. Não esqueço o quanto os vossos sorrisos, alegria e entusiasmo me deram ânimo nos dias mais cinzentos.
Sentí-me desafiada pelas vossas ideias e sonhos, e tentei dar a todos a oportunidade de os realizar. Sem dúvida, juntos criamos momentos inesquecíveis!! Fizemos maluqueiras e foi tão bom!! Adorei ver a vossa completa disponibilidade para experimentar novos cenários musicais. Vocês são uns "inventores" natos! Não percam essa energia criativa de pura experimentação e de puro prazer. É assim que nascem as inovações, sejam elas em que área for.
Por favor, continuem a esforçar-vos para vencer os desafios musicais e não se esqueçam que fazer música tem de ser uma ALEGRIA!! Quão feliz ficava por ver o vosso prazer e entusiasmo, muito genuíno, sempre que tocavam piano em público... não percam essa alegria. Quero que este seja o meu maior legado para vocês.
Dói-me muito esta separação mas não deixarei que nada nem ninguém vos tire do meu coração. Vocês entraram na minha vida e aí permanecerão. Gosto muito de vocês (não o esqueçam!) e se precisarem de mim, nem que seja daqui a uns anos, contactem-me. Eu proteger-vos-ei sempre!!
Desde muito cedo que o ensino da música se encontra no centro da minha vida profissional. Iniciei esta prática durante o meu período de estudante, encarando-a como um complemento aos meus estudos performativos e como uma fácil solução para ser independente. Logo aqui levantam-se várias questões. Qual a relação entre a prática do ensino e a prática performativa na minha perspectiva? Como evoluíram as minhas concepções pedagógicas, éticas e científicas ao longo destes anos? Que motivações éticas e profissionais nos devem hoje guiar o ensino musical das gerações futuras? Mais, no momento de contenção orçamental que vivemos qual a justificação para a sociedade e o Estado financiarem o ensino musical? Qual o real benefício desta educação a longo prazo? Que bem e que competências este serviço educativo presta? Estas são algumas das questões que pretendo reflectir neste pequeno artigo sobre a prática profissional dos professores de música.
Reflexão sobre a prática profissional de professor de música: alguns mitos e questões éticas
Começo por recordar os meus tempos de adolescência, durante os anos 80, onde se comentava em tom indignado o facto de os professores de música ganharem tanto como os professores de inglês ou matemática. Isto porque a disciplina de Música, a par de Educação Física e Religião Moral, era naturalmente considerada como sendo uma disciplina inferior às outras - àquelas cujo carácter técnico e/ou científico lhes conferia um prestígio e status social elevado, pois eram indiscutivelmente “úteis” à sociedade. Por ser difícil reconhecer a utilidade da música pela comunidade estudantil, a disciplina de música não merecia nem o seu respeito, nem o seu esforço. Este facto da minha memória reflecte os graves preconceitos e mitos enraizados na opinião pública relativamente a esta ‘profissão’. Preconceitos que ainda hoje estão presentes na sociedade em geral graças a uma visão funcionalista das profissões, a políticas tecnocratas que visam obter resultados visíveis a curto-prazo e a uma sociedade ainda crente na superioridade do lado intelectual, cognitivo, científico e tecnológico, face ao lado mais emocional, corporal, intuitivo, esotérico e impalpável do ser humano. Mas esta situação é também construída, paradoxalmente, pelos nossos pares, sejam eles colegas, professores ou músicos. O ensino da música, seja no ensino vocacional seja no ensino genérico, pulula de preconceitos e estigmas que devem ser rapidamente consciencializados e desmascarados por todos, a fim de desencadearem mudanças profundas na nossa concepção e prática de professores de música.
[...]
Considerações Finais Penso não ser necessário “proteger a música dos alunos” (Regelski 2009, p. 8) porque a música é muito mais do que o repertório clássico europeu e que os moldes concertísticos/performativos padronizados durante o século XVIII e XIX no centro da Europa. Hoje felizmente podemos pensar em múltiplos contextos de acção performativa, em infinitos cruzamentos da música com outras áreas de saber e de criatividade, numa ampla esfera de acção a nível de experimentação tecnológica e em estabelecer inusitadas colaborações com profissionais de todas as áreas; enfim, hoje mais do que nunca podemos tornar a música numa expressão de nós próprios, da nossa idiossincrasia e da nossa visão crítica do mundo. Para isso acontecer é preciso perder o medo de sair do padrão, do costume, do lugar - comum, do ‘porque sim’, e arriscar. Penso que esta é igualmente uma função ética dos professores.
Teresa Vila Verde
Ps. Retirei parte substancial deste artigo para preservar os meus direitos de autora.
Milhano, S. (2009). Música na escola do 1º ciclo do ensino básico: dos benefícios e enriquecimento educativos generalizados ao apuramento de vocações. Actas do XVII Colóquio AFIRSE.A escola e o mundo do trabalho, Lisboa: FPCE.
Regelski, T. A. (2002). On ‘methodolatry’ and music teaching as critical and reflective praxis. Philosophy of Music Education Review, 10(2), 102-23.
Regelski, T. A. (2009). The ethics of music teaching as profession and praxis. Visions of Research in Music Education, 13.Retrieved from http://www-usr.rider.edu/~vrme/
Small, C. (1998). Musiking: the meanings of performing and listening.Hanover NH: Wesleyan University Press.
Uscher, N. J. (1998). Shaping inventive career for 21st century musicians: embracing new values and visions. In H. Lundstrom (Ed.). Perspectives in Music and Music Education (nº 3, pp. 13-17). Malmo Academy of Music Publications.
"Quando o vento se levanta e passa, tua cabeça adormecida põe-se a brilhar. Em redor dela um halo de sombra onde a minha mão entra, vagarosamente, pedindo-te um Sinal.
Procuro o rosto com os dedos afiados pelo desejo. Toco a alba das pálpebras que, de súbito, se abrem para mim. Um fio de luz coalha na saliva do lábio.
Ouvimos o mar, como se tivéssemos encostado a cabeça ao peito um do outro. Mas não há repouso nesta paixão. O dia cresce, sem luz e os pássaros soltam-se do pólen dos sonhos, embatem contra os nossos corpos.
Nada podemos fazer.
Um risco de passos ensanguentados alastra pelo chão da cidade. A noite cerca-nos, devora-nos. Estamos definitivamente sozinhos.
Começamos, então, a imitar a vida um do outro. E, abraçados, amamo-nos como se fosse a ultima vez...
O tempo sempre esteve aqui, e eu passei por ele quase sempre sozinho.
No entanto, recordo: deixaste-me sobre a pele um rasgão que já não dói. Mas quando a memória da noite consegue trazer-te intacto, fecho os olhos, o corpo e a alma latejam de dor.
Dantes, o olhar seduzia e matava outro olhar. Agora, odeio-te por não me pertenceres mais. Odeio-te. Abro os olhos. Regresso ao meu corpo e odeio-te. E, quem sabe se no meio de tanto ódio não te perdoaria - mas ambos sabemos que o perdão não existe.
Se fugias, perseguia-te. Mas o olhar começava a cegar. Sentia-te, já não te via. E o pior é que o tacto também esqueceu, rapidamente, a sensualidade da pele e o calor do sexo. O rosto aprendido de cor.
Hoje, tudo se sobrepõe. Nomes, rostos, gestos, corpos, lugares... um montão de cinzas que me deixaste como herança.
Não devo perder tempo com o ciúme. A paixão desgastou-me. E nunca houve mais nada na minha vida - paixão ou ódio.
Só isto: se me aparecesses agora, tenho a certeza, matava-te."
José Gil escreveu sobre "o medo de existir" dos portugueses
Sei bem a que é que ele se refere
também vivi rodeada desse medo
medo da afirmação de nós
medo do que pensarão de nós
medo do estranho
medo do diferente
senti tudo isto logo na infância
tão longínqua mas sempre aqui tão perto
na adolescência dei os primeiros passos no sentido da minha libertação
passos atabalhoados, gritos e choros convulsivos
tudo era confuso e nebuloso
mas agora, vejo claramente
tudo não passava de uma recusa desta herança
deste medo que não nos deixa existir em pleno
hoje, sendo mulher
atrevo
arrisco
tenho medo, mas vou
e vou sem saber exactamente qual o caminho
vou
o desconhecido já não me assusta
já não me inibe
não me tolhe a acção
nem o pensamento
antes, desafia-me
move-me
mexe-me
faz-me voar
Aprendi a ter coragem
e isto, graças á música...
o meu território seguro
a minha casa
o espaço onde ouso cada vez mais
onde transponho todos os meus limites
onde não me importo de ser feia, bonita, louca, beatífica, cruel, lasciva, anjo, demónio
pela música vivo em pleno
é o maior dom que recebi na vida...
Tvv
Isto a propósito de muitas coisas...
Mas, em especial, devido ao próximo workshop que realizarei, desta vez com o músico Vítor Rua, onde não faço a mínima ideia do que irei fazer. Sei que não serei cantora, nem pianista... então, vou lá fazer o quê? Que materiais vou usar??
Excertos do texto Primavera Sombria, da pintora alemã Unica Zurn.
"O pai é o primeiro homem que ela conhece... Ela ama-o desde o primeiro momento. A primeira impressão que recebe dele é profunda e inesquecível...Ela sente-se infinitamente atraída por ele... Reconhece o poder da atracção que emana de quem aparece pouco e de forma misteriosa.
Quando está deitada na cama e tem que adormecer, contempla o caixilho da janela. A forma deste leva-a a pensar no homem e na mulher: alinha vertical é o homem, a linha horizontal é a mulher. O ponto em que ambas as linhas se encontram é um mistério. (Ela nada sabe do amor.)
Começa um período demorado sob o signo do corpo masculino. Um fascínio total. (...) Nasce nela uma rejeição profunda e insuperável da mãe e da mulher.
Ninguém se preocupa com ela.
O sofrimento e as dores provocam-lhe prazer.
O jogo torna-se perigoso e é isso que ela deseja.
Tem pena de ser rapariga. Gostava de ser homem.
Afligem-na os medos do invisível.
Todas as brincadeiras são habitadas pelo sentido do horror e pela sensação de perigo
Sem infelicidade a vida é insuportável.
Agrada-lhe a sensação de dor quando experimenta a volúpia. Mas a sensação de volúpia que ela experimenta com excessiva frequência, deixa atrás de si um vazio opressivo.
O Medo é muito importante par ela. A angústia e o pavor atraem-na.
o eprigo está em todo o lado. Mas estes perigos prometem-lhe uma sensação perversa - como que uma salvação da monotonia diária, do tédio bocejante.
Tem de se refugiar na sua fantasia, fazendo das tripas coração, para poder suportar a vida.
Ela levanta-se e começa a observar o mundo dos adultos. Obsevar! Para ela, é um prazer inesgotável.
Presa de uma inclinação violenta e única, ela escolhe este homem como destinatáriode um ºrofundo e clandestino amor.
Agora sabe finalmente o porquê da sua vida: ela vive para o ter encontrado!
Sim, agora tem a certeza: ela veio ao mundo poque tinha de o encontrar. E, com este encontro, nasce uma dor incomensurável.
A dorte de amar para sempre com a mesma intensidade só a tem quem ama sem esperança.
Agora perdeu o medo.
Agora ele sabe que ela o ama.
Agora partilham um segredo.
"Agora posso morrer descansada"
Sabe que só no escuro tem coragem para pôr termo à vida. (...) O que dirão os outros miúdos quando ela estiver morta? E o professor? Terão saudades dela? Certamente que a irão esquecer depressa. Mas ela quer, finalmente, ter paz. Aliás, será que ele vai saber quando ela estiver morta? ...ele saberá que ela morreu de amor por ele. Os suspiros e soluços dela são de partir o coração. Sente-se mais só que nunca.
Será que existem pessoas felizes? Quantas haverá neste gigantesco mundo que estão neste momento às suas janelas planeando atirar-se delas abaixo? Grita de tanto chorar.
Pouco a pouco vai escurecendo. Pouco a pouco ela vai voltando à calma inicial. As lágrimas deixam de correr.
...envergonhadas, as pessoas olharão umas para as outras: não sabem que esta criança se matou por amor? A partir desse dia, os pais tratarão os filhos com muito mais doçura e amor, para que não sejam vítimas de idêntico destino.
Agora o quarto está quase escuro. ...Nesta altura, já lhe é indiferente morrer "em terra alheia" ou no seu jardim. Empoleira-se no parapeito, agarra-se ao cordão da portada e contempla mais uma vez ao espelho a sua imagem eivada de sombras. Acha-se atraente e um laivo de pesar insinua-se na sua determinação. "Acabou" diz baixinho e já se sente morta, antes que os pés descolem do parapeito. Cai de cabeça e parte o pescoço. O seu pequeno corpo estende-se, dsfigurado, sobre a relva. O primeiro a dar com ela é o cão. Enfia-lhe a cabeça entre as pernas e começa a lambê-la. Como ela ela não faz qualquer movimento, começa a ganir baixinho e deita-se sobre a relva, a seu lado"
FIM
TVV
PS. Tradução de Maria Antónia Amarante. Creio que este conto ainda não está editado em Portugal. Texto de 1970, ano da morte da autora, por suicídio. Atirou-se da janela do seu quarto em Paris.
«O que cada um de nós procura, no meio dos acontecimentos onde mergulha, é construir a sua vida individual, com a sua diferença relativamente a todos os outros e a sua capacidade de dar sentido geral a cada acontecimento particular.»
Alain Touraine (2005). Um Novo Paradigma - Para Compreender o Mundo de Hoje, Lisboa: Instituto Piaget, p. 124.
Acerca do título deste blog
Com "Ginha", meu diminutivo de infância, quero evocar o tempo em que a realidade se confundia com o sonho, em que acreditávamos na magia, em que nos deslumbrávamos com pequenos nadas, em que questionávamos o óbvio. Quanto ao restante, é naturalmente inspirado no pequeno livro de Lewis Carrol, Alice no País da Maravilhas, cujo conteúdo me surpreendeu pela excentricidade, imaginação e rápida mutação dos acontecimentos. Tal consiste a "maravilha" desse mundo. Não será uma boa metáfora do mundo actual?
Preciso de perceber o mundo pósmoderno em que vivo; por isso ouço, leio, observo, penso, experimento e depois crio...momentos ou/e perenidades.
O meu projecto de investigação centra-se na criação de "performances com música". Quero explorar o visceral, o corpo (o meu e o do piano), a voz, as tecnologias, a teatralidade, o espaço, o gesto, a expressão e tudo o mais que me faça sentido na performance de música. Para saber mais sobre o meu trabalho visite a página http://www.myspace.com/teresavilaverde.