Saturday 26 February 2011

Sob o signo do sofrimento

o sofrimento tem um significado

foi através dele que me transformei

sou agora mais tranquila
mais segura
mais tolerante
menos exigente
menos ambiciosa

ver quem amo a lutar pela própria vida
incapaz de poder sonhar com um futuro
toca-me muito forte
e transforma-me...

eu posso sonhar muito
eu posso concretizá-los, um dia
(já concretizei tantos, nossa!!)
neste momento, sonhar é um luxo
é uma dádiva
é demasiado até

aprendi igualmente com o sofrimento que causei aos outros
ás vezes de forma involuntária
outras por egoísmo
ao ver o quanto sofriam
tomei consciência de que não tinha esse direito
não tenho o direito que causar dor aos outros
ERREI
e tornei-me na pessoa que sou hoje
mais recatada
mais reservada
mais moderada
menos volúvel ao efémero, ao superficial, às ilusões vãs
a vida é tão preciosa e tão vulnerável...
não tenho tempo a perder com futilidades
ou com pessoas vazias de si

quanto ao sofrimento que os outros me causaram
enfim... a esse sobrevivi sempre
(e espero sobreviver sempre)
é o outro,
aquele que vejo em quem amo ou que foi causado por mim,
que realmente me transforma
e me dá paz...

Tvv


Thursday 24 February 2011

Sob o signo da coragem

José Gil escreveu sobre "o medo de existir" dos portugueses

Sei bem a que é que ele se refere
também vivi rodeada desse medo
medo da afirmação de nós
medo do que pensarão de nós
medo do estranho
medo do diferente
senti tudo isto logo na infância
tão longínqua mas sempre aqui tão perto

na adolescência dei os primeiros passos no sentido da minha libertação
passos atabalhoados, gritos e choros convulsivos
tudo era confuso e nebuloso
mas agora, vejo claramente
tudo não passava de uma recusa desta herança
deste medo que não nos deixa existir em pleno

hoje, sendo mulher
atrevo
arrisco
tenho medo, mas vou
e vou sem saber exactamente qual o caminho
vou

o desconhecido já não me assusta
já não me inibe
não me tolhe a acção
nem o pensamento
antes, desafia-me
move-me
mexe-me
faz-me voar

Aprendi a ter coragem

e isto, graças á música...
o meu território seguro
a minha casa
o espaço onde ouso cada vez mais
onde transponho todos os meus limites
onde não me importo de ser feia, bonita, louca, beatífica, cruel, lasciva, anjo, demónio
pela música vivo em pleno
é o maior dom que recebi na vida...

Tvv

Isto a propósito de muitas coisas...
Mas, em especial, devido ao próximo workshop que realizarei, desta vez com o músico Vítor Rua, onde não faço a mínima ideia do que irei fazer. Sei que não serei cantora, nem pianista... então, vou lá fazer o quê? Que materiais vou usar??
Não sei. Mas irei fazê-lo!!
:))


Thursday 17 February 2011

"Primavera Sombria" de UNICA ZURN



Excertos do texto Primavera Sombria, da pintora alemã Unica Zurn.


"O pai é o primeiro homem que ela conhece... Ela ama-o desde o primeiro momento. A primeira impressão que recebe dele é profunda e inesquecível...Ela sente-se infinitamente atraída por ele... Reconhece o poder da atracção que emana de quem aparece pouco e de forma misteriosa.

Quando está deitada na cama e tem que adormecer, contempla o caixilho da janela. A forma deste leva-a a pensar no homem e na mulher: alinha vertical é o homem, a linha horizontal é a mulher. O ponto em que ambas as linhas se encontram é um mistério. (Ela nada sabe do amor.)

Começa um período demorado sob o signo do corpo masculino. Um fascínio total. (...) Nasce nela uma rejeição profunda e insuperável da mãe e da mulher.

Ninguém se preocupa com ela.
O sofrimento e as dores provocam-lhe prazer.
O jogo torna-se perigoso e é isso que ela deseja.
Tem pena de ser rapariga. Gostava de ser homem.
Afligem-na os medos do invisível.
Todas as brincadeiras são habitadas pelo sentido do horror e pela sensação de perigo
Sem infelicidade a vida é insuportável.
Agrada-lhe a sensação de dor quando experimenta a volúpia. Mas a sensação de volúpia que ela experimenta com excessiva frequência, deixa atrás de si um vazio opressivo.
O Medo é muito importante par ela. A angústia e o pavor atraem-na.
o eprigo está em todo o lado. Mas estes perigos prometem-lhe uma sensação perversa - como que uma salvação da monotonia diária, do tédio bocejante.
Tem de se refugiar na sua fantasia, fazendo das tripas coração, para poder suportar a vida.
Ela levanta-se e começa a observar o mundo dos adultos. Obsevar! Para ela, é um prazer inesgotável.
Presa de uma inclinação violenta e única, ela escolhe este homem como destinatáriode um ºrofundo e clandestino amor.
Agora sabe finalmente o porquê da sua vida: ela vive para o ter encontrado!
Sim, agora tem a certeza: ela veio ao mundo poque tinha de o encontrar. E, com este encontro, nasce uma dor incomensurável.
A dorte de amar para sempre com a mesma intensidade só a tem quem ama sem esperança.
Agora perdeu o medo.
Agora ele sabe que ela o ama.
Agora partilham um segredo.
"Agora posso morrer descansada"

Sabe que só no escuro tem coragem para pôr termo à vida. (...) O que dirão os outros miúdos quando ela estiver morta? E o professor? Terão saudades dela? Certamente que a irão esquecer depressa. Mas ela quer, finalmente, ter paz. Aliás, será que ele vai saber quando ela estiver morta? ...ele saberá que ela morreu de amor por ele. Os suspiros e soluços dela são de partir o coração. Sente-se mais só que nunca.

Será que existem pessoas felizes? Quantas haverá neste gigantesco mundo que estão neste momento às suas janelas planeando atirar-se delas abaixo? Grita de tanto chorar.
Pouco a pouco vai escurecendo. Pouco a pouco ela vai voltando à calma inicial. As lágrimas deixam de correr.
...envergonhadas, as pessoas olharão umas para as outras: não sabem que esta criança se matou por amor? A partir desse dia, os pais tratarão os filhos com muito mais doçura e amor, para que não sejam vítimas de idêntico destino.
Agora o quarto está quase escuro. ...Nesta altura, já lhe é indiferente morrer "em terra alheia" ou no seu jardim. Empoleira-se no parapeito, agarra-se ao cordão da portada e contempla mais uma vez ao espelho a sua imagem eivada de sombras. Acha-se atraente e um laivo de pesar insinua-se na sua determinação. "Acabou" diz baixinho e já se sente morta, antes que os pés descolem do parapeito. Cai de cabeça e parte o pescoço. O seu pequeno corpo estende-se, dsfigurado, sobre a relva. O primeiro a dar com ela é o cão. Enfia-lhe a cabeça entre as pernas e começa a lambê-la. Como ela ela não faz qualquer movimento, começa a ganir baixinho e deita-se sobre a relva, a seu lado"
FIM

TVV

PS. Tradução de Maria Antónia Amarante. Creio que este conto ainda não está editado em Portugal. Texto de 1970, ano da morte da autora, por suicídio. Atirou-se da janela do seu quarto em Paris.





Saturday 12 February 2011

"Talk Show" de Rui Horta - Impressões a Quente




Este espectáculo é muito mais do este video.

Há muitas "camadas", imagens, palavras, suores, sinais característicos dos corpos envelhecidos, mãos entrelaçadas, sexo, abraços, que estão ausentes aqui.

Há um rodopio constante de corpos e palavras que se vêm, se ouvem, se imaginam e que nos intoxicam pensamentos e sentidos.

Vemo-nos ali, sem máscaras... a nossa matéria física, espiritual e evolutiva ao longo do tempo.
Um corpo que é também o nosso, enredado em paixões, histórias, sentimentos exacerbados e em ternura.

Aqui, questiona-se se o amor ao longo dos anos. Será isso possível? Se sim, como se transmutará numa e noutra e ainda noutra "coisa" que também é amor? Como é amar alguém aos 20 e aos 60 anos?

A minha questão aqui é, nos tempos de crise, de instabilidade e de egoísmo que vivemos, será possível o amor perdurar anos? Poderá ele sobreviver às crises, dúvidas, mágoas, cicatrizes, desilusões, silêncios, afastamentos... será o amor ainda uma possibilidade "possível" nos dias de hoje?

"Talk Show" é um exercício sobre estas questões; e sim, dá-nos algumas pistas de como isso poderá ser possível, apesar de todos os tumultos que nos rasgam a alma...

Este espectáculo conseguiu falar-me de Amor. Que benção!

Tvv

PS: Curioso ver este espectáculo numa altura em que tenho de estudar "gestão de conflitos" e reflectir sobre estratégias para a sua resolução, como a negociação entre pares. Tudo o que leio relativamente a este tema (sempre interligado à educação) posso aplicar na minha esfera privada. São este tipo de conexões que me enriquecem a vida. Eu interligo TUDO na minha vida.




Wednesday 9 February 2011

Homens-Serpente, segundo Rosario Villalobos

"Há um certo tipo de homens que se distingue dos outos.

É aquilo a que chamo de homens-serpente. Avistam as supostas vítimas,começando muito lentamente a rastejar em direcção a elas... São suaves, delicados, educados, muitas vezes mostram-se verdadeiros gentlemen.

Bem-humorados e com um espírito jovial e solto, vão gastando bocadinhos de tempo, aqui e ali, rodeando a vítima muito suavemente!...

Tão suavemente, que se aquela não tiver vivido o suficiente, deixar-se-á envolver no seu visco, sem qualquer suspeita ou hesitação.

Um dia oferecem uma flor - simples, pois claro, eles conhecem bem o coração das mulheres...

No outro, uma canção - romântica, que não querem que elas se dispersem e voem...

Um coração aqui, um beijo acolá.

E os anéis vão apertando a presa, sem que ela dê por isso.

[Muitas vezes, conseguem até levá-las ao casamento]

Inebriadas, dizem aos quatro ventos como eles são bons, como eles as tratam bem, como são carinhosos e meigos.

Mas não sabem que por baixo do verniz, do polimento, da pele, está uma serpente.

Dizem que não se deve olhar uma serpente nos olhos. Será que a razão se esconde no facto de que, se a olhássemos, veríamos o seu desejo íntimo de destruição?...

E, no entanto, há sempre um dia fatídico em que esses homens se mostram tal qual são: agressivos, mal-educados, violentos, egoístas.

São incapazes de pensar no outro, de sofrer por ele, de perdoar ou fazer-se perdoar.

Duros. Cínicos.

Crêem-se fortes, mas na realidade são dignos de dó. A sua força reside na fraqueza dos outros. No seu medo. Na sua humilhação. Quando isso não existe, sentem-se acossados, deprimidos. Retiram-se, isolam-se. Sentem-se eles próprios vítimas das circunstâncias, da vida.

Estes homens-serpente são o tipo mais perigoso, de todos os tipos de homem que existem... porque não andam, deslizam.

Um conselho: Olhem sempre uma serpente nos olhos. Verão se lá dentro existe um homem.

R*

5 de Setembro 2010"


Obrigada Rosário, pela tua clarividência.

Há, efectivamente, pessoas assim...


Teresa VV

Saturday 5 February 2011

Também eu danço "As Lágrimas de Saladino"

Acabadinha de chegar a casa
após ver "As lágrimas de Saladino" de Rui Horta
danço e danço...
não páro de me mexer
e de me ver dançar
e, sim, GOSTO muito do que vejo!!
observo a linha do meu corpo, dos meus cabelos, das minhas mãos, dos meus pés, dos meus olhos
e "ouço" a minha alma, sem medo

danço com uma mistura de desejo e de raiva
é o desejo de beleza e de sensualidade que procuro
mas é também a raiva que me move
é assim que danço

"As lágrimas de Saladino" despertou em mim uma raiva latente
a raiva que sinto pela crueldade das pessoas, umas para com as outras
a raiva pelo seu egoísmo atroz, que me fere mortalmente
a raiva pela falta de coragem de assumirem os seus compromissos com os outros
a raiva pelo vazio ético das pessoas

todos se acham boas pessoas
as suas intencões são magnânimes e eloquentes
mas na realidade apenas assisto a uma permissividade e cobardia
fruto da falta de um projecto para si mesmo (quanto mais partilhado com outros?)
é o vazio existencial no seu lado mais crú e cruel

raiva, raiva...
por isso, danço e danço...

e como gosto de me ver assim...BELA!




Tvv

PS. Apesar deste trabalho não me ter transcendido, nem me me ter "falado de amor" (aqui refiro-me a Pina Bausch), o Rui Horta continua em "estado de graça". Em momentos de crise preciso de referências fortes e ele é, sem dúvida, uma referência forte para mim. Quer artística, quer pessoal.