Sunday 5 April 2009

Comédias do Minho, conhecem?

Pois, eu também não conhecia. Mas pelos vistos esta companhia profissional de teatro já existe há alguns anos e resulta de um esforço conjunto de cinco autarquias do Alto Minho para criarem uma companhia próxima das suas terras e tradições. Um teatro para as pessoas que nunca foram ao Teatro. Esta companhia apresentou este fim de semana um programa ousado e fisicamente muito exigente, tanto para actores/produtores como para o público. Incluiu cinco apresentações, cada uma com duração aproximada de duas horas (acreditem, o tempo passou a voar...), em locais recônditos do Alto Minho que se tornaram em espaços de excelência dramática: uma mercearia e ermida na freguesia de Lara/Monção, uma casa rural na freguesia de Parada do Monte/Melgaço e outra casa antiga na freguesia do Bico/Paredes de Coura. (Houve mais, mas eu não assisti a tudo, infelizmente.) Terras todas elas aqui tão perto e simultâneamente tão distantes de nós.

Fui um pouco por acaso. Sem saber exactamente ao que ia, pois não gosto de saber tudo em antecipação, deixei-me levar pelos amigos e fui para terras nortenhas. Dou por mim a reviver memórias cheiros, sabores, pessoas, paisagens, lendas e histórias de tempos antigos que, afinal de contas, também fazem parte de mim. Apesar de não ter pensado muito sobre isto, confesso que temia ver algo brejeiro e/ou paternalista sobre os hábitos, cultura, saberes e estilos de vida minhotos, muitas vezes tão rudes e cruéis para pessoas fora deste contexto geográfico. Verifiquei surpreendida (e agradecida!) que me enganei. Através dos pequenos momentos performativos vi que os encenadores/actores souberam deixar para trás o seu olhar enviesado de quem é "gente da cidade, cosmopolita e civilizada" para olharam de frente nos olhos daquelas pessoas, tão cheios de sonhos e de expectativas como os de qualquer um de nós. As suas histórias e memórias tornaram-se numa valiosa matéria-prima para a criação de momentos de magia, de comicidade, de poesia física e metafísica, com que brindaram todos os sentidos dos espectadores (por vezes actores também).


Ouvi histórias simultaneamente arrebatadoras e cruéis como a de Clotilde que envelhece sozinha junto à maquina de costura, rodeada de lágrimas e suspiros resignados, esperando em vão pelo regresso do seu marido emigrante; ou a história pungente de um touro perdido, apavorado e humilhado pelo destino;

Recordei o cheiro das casas antigas, aquecidas pelo bafo dos animais no rés-do-chão, com mobiliário simples mas sempre ornadas com rendas e panos de linho, para dar um toque de beleza cuidada;

Degustei o sabor honesto de um sopa feita com a couve mais 'grosseira' que há, a couve galega;

Relembro o regresso dos "francius" durante o Verão, sempre com os seus histerismos e falas mestiçadas;

Ouvi Roberto Leal, o grande animador dos bailes em honra da Nossa Senhora disto e daquilo;

Enterneço com a solidão resignada e beleza calma da Sr.ª Esmeralda, cujos os sonhos de criança ainda hoje persistem aos 80 anos;

Ouço os pregões, as premonições sombrias do Sr. Padre;

Ginastico o corpo através da mestria de quem sabe, ou seja, do sr. Hipólito (?), cujo sustento da famila depende do seu vigor;

Ouço o som rouco da caneta no papel rude e as palavras sussurradas de alguém sôfrego de notícias de um ente querido;

Inundo os meus ouvidos com os sons do grupo coral e das concertinas, onde o sagrado e profano se misturam num convívio tão íntimo quanto exemplar;

Revejo o a velha mercearia da aldeia onde, tal como de confessionário se tratasse, as pessoas contam as suas histórias de (des)amor e onde se vejo produtos que não existem nos supermercados;

Mais o velho aldeão que tenta apaziguar os corações dos doentes de amor...

E muito mais...

Tudo isto eu também vivi. E sinto-me enternecida por me trazerem, de forma tão sensível e sensitiva, um tempo que já passou: a minha infância. Um tempo igualmente recheado de lendas, mitos, sonhos e de quatro estações bem distintas. Claro que tudo isto ainda está presente na pessoa que sou hoje. Viver é recriar, transformar e contaminar o passado com as novidades do presente. Apesar de muito ter mudado no espaço de uma geração, eu persisto, tal como estes encenadores e actores, em construir uma ponte de afecto, de compreensão, de carinho entre as formas de viver do passado e do presente. Porque o futuro faz-se assim.


Tvv

Mais informações sobre esta companhia de teatro pesquisar o blog http://www.comediasdominho.blogspot.com/

6 comments:

  1. Apesar de não pertencer ao grupo dos do Minho, gostei tanto do fim-de-semana que cheguei a ter pena de quem não esteve lá connosco a viver coisas tão vulgares, mas ao mesmo tempo tão irrepetíveis. Também me fez lembrar muito o meu país das maravilhas : )
    Inês

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  2. belo resumo, grandes memorias (^_^)

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  3. uou, o fds também foi completamente inspirador para mim mas nunca conseguiria pôr tudo em palavras tão bem como tu o fizeste neste post
    :) bjs

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  4. Excelente crónica. Sem cair no saudosismo transportas-nos para um mundo já, irremediavelmente, perdido. Isto já é História.
    (Mas eu sou pessimista...)

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  5. Depois desta excelente descrição, fiquei mesmo com pena de não ter ido:( snif snif

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  6. Fiquei absolutamente maravilhado com a tua descrição e adoraria ter podido ver essas apresentações devem ter sido fantasticas e cheias de vida.....

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