Thursday 25 June 2009

Vidas Duplas? É a Minha

Ainda exausta
tomo cafés
durmo muitas horas
e sinto o corpo recuperar aos poucos do cansaço

realmente isto de se dar a cara quando mostramos o nosso trabalho tem os seus custos
nunca posso ser mediana
nunca posso poupar energia
tenho sempre de jogar nos limites

Nunca poderia fazer o que mais gosto de fazer
todos os dias
nem todas as semanas
nem todos os meses
não teria equilibrio
seria, paradoxalmente, INFELIZ!

não lamento nada ter uma "vida dupla"
ou seja, ter de trabalhar numa coisa para financiar a outra
(mas isso é o que TODOS nós fazemos
trabalhamos para financiar os nossos prazeres e loucuras!)

eu não quero ser "performer" todo o tempo
só às vezes
só pontualmente
eu preciso de ter uma vidinha "normal"
sem grandes excitações ou chatices
com rotinas e rituais familiares
com idas ao supermercado e à peixaria
com cafés com amigos
com banalidades

mas CLARO também com espaços para pensar
espaços para duvidar de tudo
e imaginar impossíveis possíveis

uso cada momento performativo
para me transcender
para transcender toda a minha vida pacata e banal
é assim que encontro o meu equilíbrio
depois vem a exaustão inevitável

Quando vejo olhos a brilhar
palavras sempre insuficientes
sempre atrapanhadas, incoerentes e incapazes de descrever toda a emoção
digo "valeu a pena"

esqueço toda a tensão das últimas semanas (e momentos antes do "é agora Teresa")
as horas de improvisação à procura de algo que "faça sentido"
as noites mal dormidas
a impaciência para cozinhar e saborear a comida
a expressão sempre preocupada do rosto
a voz cansada
todo este esforço condensa-se, gasta-se, queima-se em segundos
muito intensos
que me transcendem (e aos outros se possível)

por tudo isto
a Arte tem de ser paga e valorizada como qualquer outra actividade profissional
apesar de não gerar bens ou objectos consumíveis
mas gera momentos de sonho e transcendência
despoleta o inexprimível e a profundidade de nós
e assim percebemos o que significa REALMENTE
ser-se HuMaNo

Teresa vv

PS. Crónica a propósito de uma reportagem da SIC, emitida ontem, intitulada "vidas duplas", referindo-se aos artistas que têm duas profissões (Kátia Guerreiro e Adolfo L. Canibal, como exemplos); bem como ao facto de ser comum as pessoas pensarem que há profissões que devem ser pagas e outras que naturalmente não devem ser pagas. Porque nada geram...

Para mim, não há diferenças entre ser-se professor, economista, médico, sapateiro, político, músico ou palhaço. Todos precisamos de Todos e Todos prestamos um serviço que deve ser pago. Mais, não tenho pudor em me apresentar como artista ou "performer", que entendo como uma das minhas facetas, pois sou realmente "fazedora" de algo, tal como os "artesãos" o são. Não sou fazedora de objectos, mas de momentos e, quem sabe, de arrepios. Deixei de ter vergonha!

4 comments:

  1. Gostei do teu desabafo, a performance é uma constante tanto na vida como na arte, sim estou de acordo que a arte deveria ser considerada uma profissão como as outras e ter as mesmas regalias pois todos gostam de a vêr e de a ter para equilibrar as suas vidas conturbadas e absorvidas pelo stress diário dos seus compromissos do dia a dia e de sobrevivência, bom acho que já estou a falar demais, bjs, bom fds.

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  2. ''ter de trabalhar numa coisa para financiar a outra'' é a maior crueldade, o fardo, a cruz, que carregam aqueles que se sacificam para fazerem aquilo de que realmente gostam... `É um tema tão duro que se aprofundado de certeza que tornará o artista mais sensivel num misantropo.

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  3. Obrigada a ambos pelos comentários. Realmente nós precisamos de tudo e de todos. Para mim não há hierarquias mas múltiplas necessidades. É da variedade de propostas e ofertas que o mundo (e nós próprios!) se enriquece. Sinceramente, de pessoas aborrecidas e que se limitam a existir está o mundo cheio. É preciso vibração! Eu preciso dela pelo menos.

    Paulo, felizmente não partilho a tua visão pessimista, mas entendo-o. Tudo depende da gestão do equilíbrio entre a nossa "profissão" e o nosso "projecto". Se calhar tenho a sorte de fazer profissionalmente algo que gosto, que não me exige demasiado, que não consome muito do meu tempo, tenho muitas férias, tenho boas relacções com os colegas, alunos e discentes, etc. Assim, estou BEM! Mas se tivesse outro género de profissão, que me sugasse as energias (criativas ou não), as coisas seriam, tal como tu dizes, um fardo. Mas digo-te isto, já estive nessa situação e vi que tinha duas opções: ou mudava radicalmente o estado das coisas (mudava de emprego, procurava nova valorização pessoal ou profissional como estudar novamente, fazer um curso pós-laboral, workshops, etc.) ou acomodava-me e não fazia disso um motivo de insatisfação. Em ambas as situações, tinha de ser feliz! Escolhi a primeira, mas a segunda opção é igualmente legítima.
    Parece-me, pelas palavras que escreveste, que está na hora de olhares para dentro de ti e procurares as tuas respostas. Todas vão envolver RISCOS! Não estejas à espera de ter todas as condições para agir. Começa já. Pede ajuda. Trabalha para uma alternativa para ti. Não esperes isso dos Outros, mas investe em ti. Foi assim que eu fiz, arrisquei a segurança que tinha, despedi-me e parti. Tive sucessos e insucessos, mas o saldo é milhares de vezes positivo. Valeu a pena arriscar!
    Bejinhos aos dois!
    Tvv

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  4. Pablo Picasso era militante do Partido Comunista Francês, certa vez não me recordo por que razão, desabafou por não ser levado a sério: _estou sempre à espera que me mandem pegar numa balde e me digam que vá bricar lá para fora com a areia.

    Lembrei-me disto, achei engraçado, resolvi partilhar.

    Fiquem bem.

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